Lendas Esquecidas #5 – Uma noite no shopping

Sexta-feira, 13 de Novembro de 1998, 21h45min

Shopping, Subúrbio do Rio de Janeiro

    Eu havia acabado de entrar. Vestia uma calça de couro preta e uma blusa colante de cor azul que delineava meu corpo. Por cima uma jaqueta aberta também preta. Carregava então duas bolsas e caminhava para as escadas rolantes. Estas ficavam no centro do shopping e davam acesso aos pisos superiores: 2°, 3°, 4°, e 5°, o telhado. Muitas pessoas passavam pelo local, grandes pilastras sustentavam os pavimentos e no alto uma grande clarabóia iluminava durante o dia, neste momento era visível a lua nova bem no alto sendo obscurecida por nuvens.

    Eis então que estava eu na metade da escada senti que estava sendo observada. Não sei onde, nem por quem, só me senti ameaçada. — Intuição feminina, diriam as moças de plantão —, porém eu levava mais como um deja vu. Sempre que eu era seguida acontecia a mesma coisa, eu ficava impaciente olhando para os lados, cerrando os punhos até avistar meu observador. Pensei logo que seriam aqueles malditos vampiros que eu tanto caço, mas logo hoje que resolvi tirar uma folga, se bem que, não tinham razão alguma de me dar uma noite de sossego.

    Terminando de subir, — agora com as alças das sacolas quase arrebentando de tanta força que eu exercia devido aos meus punhos cerrados —, encontrava-me agora no terceiro piso, avistando os elevadores, optei por eles e caminhei em sua direção. Logo estaria no estacionamento que ficava no telhado, onde havia deixado minha moto. Andava calmamente tentando esquecer a sensação de estar sendo observada, porém esta não me deixava em paz e passando em frente a uma loja que não me lembro qual era, passei rapidamente os olhos pela vitrine, não que estivesse admirando os eletrodomésticos ali expostos e sim usei o vidro como um espelho e finalmente avistei meu perseguidor.

    Ele era alto e magro, bem magro. Seu rosto era quase cadavérico. Cabelos escuros espichavam em sua cabeça desdenhosamente. Seu corpo ossudo era coberto por trajes comuns, uma camisa gola alta preta com um longo crucifixo de prata enrolado no pescoço pendendo frente a camisa. Sua calça era cinzenta, o que quebrava um pouco o ar quase fúnebre que ele passava.

    Não demorei mais, logo passei por duas galerias e avistei uma dessas barraquinhas de sorvete. Parei e pedi uma casquinha. Bingo! Comprovei minha teoria, o homem alto cadavérico estava me seguindo. Tentou ainda disfarçar se escondendo atrás de um manequim em uma das lojas, mas minha visão periférica inumana sobrepôs a furtividade dele e pude percebê-lo.

    Finalmente chego ao elevador, onde entraram três pessoas. Uma mulher de meia idade negra com trancinhas rastafári, um jovem rapaz de não mais que quinze anos, com agasalho amarrado na cintura e óculos com armação fina e o último, um homem de aparência comum, calvo e roupas simples. Junto com esses três, quando a porta ia se fechar, meu perseguidor adentra ao elevador. Seus passos são firmes e calmos, ficando do outro lado do elevador.

    Ainda segurando minhas sacolas, agitada com toda a situação. Penso em como fui tola, por não ter trazido nenhuma arma sequer, nem ao menos deixado na moto ou um canivete, nada. — Se bem que estas lojas têm sistemas de segurança e alarmes, o shopping inteiro é coberto de câmeras de segurança. Logo meu rostinho estaria estampado em todos os jornais; no O Globo ou pior, O Povo. — O elevador sobe e ao chegar ao quarto piso duas pessoas descem e junto o meu perseguidor. Estranhei o fato, cheguei até a franzir a testa incrédula do que havia acontecido. Será que era apenas coisas da minha cabeça e que o rapaz magrelo só queria chegar ao elevador?

    Finalmente chegamos ao último andar, o telhado. Com um beep como sinal, o elevador para e as portas são abertas. Uma escuridão invade o elevador ignorando as luzes do mesmo. Parecia-se com um líquido de caneta tinteira, mas não molhava e era viscoso, não era como neblina ou fumaça qualquer, era táteo. Esta estranha escuridão veio cobrindo o local escorrendo pelo chão e pela parede como fios de tinta serpenteando pelas frestas e paredes cobrindo todo o local, ao se encostar a nós, em mim e no garoto ao meu lado, a mim só ocorreu um ligeiro calafrio e uma onda de pânico percorreu-me o corpo e a alma, mas logo me controlei. Porém com o rapaz não fora desta forma. Caiu no chão segurando a garganta como se alguém tentasse asfixiá-lo e não mais o vi, pois a escuridão nos cobriu por completo. Nem mais o som de dor que ele emitia pude ouvir. Estava perdida numa escuridão total onde nem som nem imagem existiam mais.

    Eu nada podia ver, era como se toda a escuridão do universo tivesse sido projetada de dentro do estacionamento para o elevador. Tateando pelo escuro, sinto o canto do elevador. Dou um passo adiante e sinto minha perna esbarrando em algo que me bate com força. Pareceu-me uma cobra ou algo similar, um braço talvez, mas se fosse um braço era gigantesco e extremamente flexível, pois se enrolou com muita força em minha perna e, em seguida, outro enrolou-se na outra perna. Me debati e tentei segurar na porta do elevador, mas tudo o que consegui foi com que um dos meus braços fosse preso também por esta coisa estranha. Senti que de repente uma pressão bateu sobre minhas pernas e meu braço, uma força tremenda que me arrastou para frente num só puxão. Erguendo-me no ar, os até desconhecidos braços me puxaram para frente com tamanha força e velocidade, todo o caminho era estranho e cego para mim. Bati a cabeça diversas vezes, estourando o que pareciam ser lâmpadas e minhas pernas batiam ora ou outra em um carro, amassando-os provavelmente.

    Descobri em seguida para onde estava sendo literalmente sugada. As trevas se desfizeram como tinta escorrendo por um ralo, e este ralo era ninguém menos que o meu perseguidor, o homem magro de pele alva. As sombras voltavam ao seu criador, mas também voltavam à locais de onde ele as havia convocado, das sombras de pilastras, carros, placas ou qualquer outro corpo físico que projetasse sombra. Ele estava diante de mim, seus olhos fixados olhando-me de soslaio e sério como uma rocha. Parecia estar concentrado em seus pensamentos. De sua sombra saiam cinco tentáculos negros compostos completamente de sombra! Olhei ao mesmo tempo fascinada e estupefata. Os tentáculos de sombra me prendiam cada vez mais forte, os dois restantes balançavam soltos como serpentes diante da presa e a presa era eu.

    — Olá caçadora! — disse-me ele. — Desculpe-me pelo transtorno e os maus modos, mas foi a única forma de chamar-lhe a atenção.

    — Por que não falou logo? Era só marcar uma entrevista com o meu agente… — ele me olhou mais friamente do que antes.

    — Sempre arrogante não é mesmo? Apesar de estar numa situação difícil. Ficar presa em meus braços não é uma situação simples de se escapar… Digo, quase impossível. — Um de seus tentáculos bateu violentamente em meu rosto fazendo com que eu tombasse para o lado. Uma dor terrível abateu sobre meu rosto devido ao golpe.

        — Dói não é?… Você vem causando muitos problemas ultimamente ao Rio. Há uma recompensa pela sua cabeça, sabia disso?

    Sem aviso os braços me sacodem para um lado e em seguida sou mandada com toda força e velocidade para o lado contrário. A velocidade é tamanha e a força é gigantesca com que bato quebrando a clarabóia. Fendas de metal cortam-me a pele e cacos de vidro arranham-me um pouco, não causando maiores danos devido ao meu casaco. A clarabóia é estilhaçada assim que eu passo, começo a cair em seguida de cabeça para baixo. Ouço gritos de pavor e anúncios do tipo:

    — Olhem! É uma mulher caindo! Meus Deus!!! O que está acontecendo? — Tudo não durou mais que alguns segundos, mas a mim, pareceram ter sido horas e mais horas.

    Olhei para baixo e vi figuras distorcidas das pessoas saindo correndo de onde seria o ponto de impacto, com uma cambalhota, giro-me no ar ficando com as pernas para baixo. Olhava para o chão agora esperando que minha resistência suportasse a queda. O chão estava longe ainda, mas eu ia tentar. Concentrando então todas as forças do meu sangue vampiresco, senti-o passar pelas artérias por todo o corpo deixando-o cada vez mais forte e resistente.

    Quando caí, o impacto fez com que uma pequena cratera se formasse; os pisos em volta estouraram e as mesas da praça foram arremessadas longe. Algumas pessoas que estavam por perto também caíram no chão ou, para se protegerem dos destroços, ou mesmo pela força do impacto que fora tremenda. Canos de água estouraram e logo a cratera se tornou um chafariz e eu estava caída moribunda de cara na água. E por alguns minutos permaneci da forma em que estava. Junto com o som da água em meus ouvidos, ouvia vozes da multidão de curiosos que se formavam ao meu redor. Indagavam a si mesmo, se eu estaria viva ou não, outros respondiam falando mais para si, do que respondendo — que era impossível alguém cair de tal altura e ainda ter sobrevivido! — Uma coisa que senti que perceberam foi a falta de sangue. Não havia uma gota sequer boiando junto com a água e toda esta multidão gostava de ver sangue, parece até que boa parte da população se diverte quando via sangue ou alguém se machucando… Porra! Vão assistir Wagner Montes!

    A multidão deu gritos de horror e começou a correr quando me levantei. O esforço era grande. Apesar de não ter me ferido tanto, a queda tinha me custado boa parte de meu poder e estava cansada. Pensei: — Caramba, puta que pariu! Ele me dera uma surra e eu não pude fazer nada para me defender. — Seguranças do shopping apareceram em seguida, junto a paramédicos do local e dois enfermeiros. Olhei em volta, não podia deixar que me examinassem, seria uma catástrofe se descobrissem finalmente a existência de vampiros. Uma segunda Inquisição se iniciaria, fogueiras e forcas seriam espalhadas por todas as cidades do mundo. Não podia deixar que isso acontecesse. Inocentes pagariam pelos verdadeiros culpados como sempre aconteceu.

    — É um milagre!

    — Não pode ser!

    Gritava a multidão enquanto se afastava olhando todos aterrorizados para mim. As mães seguravam seus filhos e os homens defendiam suas esposas. Sem pensar mais, saltei apenas dobrando os joelhos e lançando-me ao segundo piso. Tinha que sair daquele local, muitos tinham visto meu rosto. Agora seria eu a caçada e não mais a caçadora. Não vi o rosto do meu público, mas sei que ficaram boquiabertos com a cena que acabaram de presenciar, embora mal tenham visto o que acabara de fazer, nada mais que um borrão distorcendo a realidade. Já neste local, corro em direção as pilastras e salto a uma delas e como um gato escalando uma parede eu escalo a pilastra. Saltando em alta velocidade entre as pilastras e corrimãos, alcanço o quarto piso e poderia finalmente sair daquele local.

   Ao avistar minha moto corro ainda mais até ela, subo e, após colocar o capacete, dou partida na moto. O motor ronca com um barulho que se estende por todo o estacionamento. Olho para o local onde o misterioso e sinistro homem e eu nos confrontamos… nenhum sinal dele. Quando volto o olhar para frente, dou de cara com ele a poucos metros a minha frente. Mas dessa vez não estava sozinho. Havia mais dois homens com ele. O qual um vestia roupas esportes, tinha cabelos castanhos e usava óculos de grau que cobriam seus olhos quase infantis. Já o outro vestia um casaco grosso de lã com um capuz jogado para trás e tinha o cabelo negro preso como um rabo de cavalo. Seus olhos eram profundos e quase sem expressão. Pele extremamente pálida e unhas compridas, bestiais… animalescas!

    Quando penso em sair pelo lado, uma mulher aparece do meu lado direito. Loira, alta e esguia. Ela vestia uma blusa rosa e uma calça branca. Do meu outro flanco, surge um homem de meia idade muito alto. Ele era careca com pequenas rugas no canto dos olhos e trazia uma tatoo no ombro esquerdo. Todos traziam um sorriso de satisfação estampado em seus rostos mórbidos como se já detivessem em suas mãos minha cabeça como troféu. Mas eu não me entregaria tão facilmente.

    — Não há saída Lee! Desta vez nós te pegamos. — Disse um dos vermes, como eles sabiam meu nome? — Somos cinco contra uma, não banque a heroína… — Disse a mulher.

    — É verdade… Vamos ver quanto tempo vocês agüentam… — Disse eu a ela tentando ganhar tempo. Se todos fossem demônios das sombras como era o homem magro, eu estava ferrada. Se contra um deles eu fui humilhada, contra cinco era morte na certa.

    Acelero a moto e vou em direção aos três da minha frente. Porém dou apenas uma arrancada com a moto, pois em seguida freio e girando por sobre o guidão, dou um chute voador que acerta os três que não esperavam por isso e são jogados longe com o ímpeto do meu golpe.

    — Humm… Um, dois, três… Realmente vocês eram cinco, agora só faltam vocês dois. — Termino a volta e sento de volta na moto. Enquanto falava, contornava com a moto ficando de frente para os dois que me olhavam estagnados. Em disparada vou em direção ao homem careca. Ele nada faz, apenas fixou bem as pernas e ficou me olhando como se nada fosse acontecer. Empino a moto e acelero ainda mais, porém com uma força assustadora, ele ergue a moto, num único girar de calcanhar e a joga longe. Mal pude me prender com as coxas e me mantenho sentada na moto. Por sorte caímos com as rodas no chão e continuo o caminho tentando fugir, sigo em direção as escadas rolantes que levam para o shopping.

    Seguranças estavam a caminho segurando pistolas e vestiam coletes à prova de balas. — Que merda! — Penso freando a moto e fazendo a volta para o estacionamento novamente, entretanto o local estava todo coberto por aquele véu de sombras de outrora. — Ô praga! — Concluo a volta de 360º e me deparo novamente com os seguranças, quatro deles.

    — Pare a moto e desça calmamente com as mãos para o alto. — Diz um deles com a arma apontada para minha cabeça. Vendo que não seriam obedecidos e que eu acelerava a moto em sua direção, em zig e zag tentando desviar dos possíveis tiros. Eles abrem fogo com suas pistolas. Sinto as balas perfurando-me a carne, umas feriam-me mais que outras, mas nada que fosse fatal. Ao chegar perto deles, antes que pudessem sair da linha que a moto seguia, derrapo com a moto sobre os pés deles, sentem muita dor e gritam com isso. A velocidade e a força da moto fazem com que eles caiam.

    Sigo enfim para as escadas rolantes. As poucas pessoas que desciam pela escada, se espremem para sair do caminho ou se penduram no corrimão. Com dificuldade, mas conseguindo, chego ao quarto piso e acelero em direção ao parapeito, a moto arranca as barras de metal e lanço-me do outro lado no terceiro piso. Cruzando o ar como num vôo e alcanço o outro lado batendo no beiral, o que me fez perder o controle por um segundo. Fora o bastante para acabar com o pouso, a moto derrapa pelo chão e sou arremessada também.

    Com um barulho agudo, a moto segue arrastando-se pelo piso e fica toda arranhada. Eu rolo umas duas ou três vezes, em seguida consigo parar e começo a levantar. Já dera muito show no shopping por hoje, as pessoas teriam assunto para o mês todo. — A louca do shopping. A moto que voava… — Quando me preparo para correr, ouço a voz do homem magro em minha mente.

    — Pare Crisy! Ou matarei toda essa gente e os levarei para dar de comida às minhas crianças que sentem fome… Você sabe muito bem que pouco me importo com eles, que para nós não passam de simples alimentos.

    Uma a uma as lâmpadas de todo o shopping, lojas e corredores, estouraram deixando uma penumbra natural espalhar-se por todo o lugar. As luzes de emergência acenderam-se por alguns segundos, mas não durou mais que isto. Logo piscaram e, após uma explosão vinda do alto do prédio, não mais se acenderam. Retirei o capacete e após jogá-lo no chão, caminho até o beiral onde minha moto havia batido. De lá posso ver a praça onde eu havia caído da outra vez. A água parara de jorrar, os seguranças isolaram o local e apenas alguns policiais continham, ou pelo menos achavam, que continham a situação. Do alto, vejo o homem magro pairando no alto com a mulher loira ao seu lado. Ela tinha os olhos brilhantes prateados e tinha as mãos junto à cabeça em sinal de concentração. — Uma bruxa. — Pensei.

    — O que vocês querem? — gritei para eles. — Vamos sair daqui e resolvo tudo com vocês. Aqui eu me recuso a “conversar” com vocês. Há pessoas inocentes e não pretendo me entregar… — Como se fossem me ouvir.

  — É muito simples… Vença-nos e poderá seguir seu caminho. Caso contrário, levaremos sua cabeça como disse antes. — Ele agora falava em alto e bom tom, onde todos podiam ouvir. — E caso não atenda meu apelo… Matarei a todos como disse, e tenha certeza, não estou blefando. — Ouviram-se agora gritos de protestos das pessoas espalhadas, escondidas, refugiadas onde puderam improvisar. Não pude distinguir o que era, só sei que sentiam medo. Medo por suas vidas inúteis que eu teria de salvar. Eu teria que entrar no joguinho destes vampiros.

    — Eu aceito… Com uma condição… — Paro e olho ao redor: As pessoas não se mexiam. Talvez pela curiosidade do que aconteceria, por medo, ou pelo fato de verem duas pessoas flutuando a sete metros do chão… ou mesmo, por algum encantamento desses malditos.

    — Condição? Acha mesmo que está em condição de pedir condições? Mas vamos lá… Diga o que queres… Que verei o que posso fazer a respeito.

    — Isole o local da luta. Não quero que o fedor de suas carnes nojentas seja inalado pelos inocentes aqui presentes quando eu os matar. — Agora eu tinha ido longe demais. Com certeza eles iam ficar muito putos comigo agora. E era só questão de tempo e vontade, produzir aquele manto de sombras novamente e todos morreriam agonizando como vi no elevador.

    — Não abuse da sorte Lee… Que os jogos comecem! — disse ele batendo duas palmas de leve. Seu rosto era marcado por um sorriso maléfico e seus olhos estavam vidrados em me olhar.

    O rapaz de óculos salta por cima da multidão, vinha do meio deles no mesmo piso em que eu estava. Ele agora tinha um aspecto mais animalesco. Os pêlos de seus membros haviam se avolumado, se assemelhava a um macaco ou algo parecido. Tinha grandes garras no lugar dos dedos. Seus olhos brilhavam amarelos sagazmente e exibia suas presas como as de um canino.

    Os outros dois deles vinham do outro lado. O rapaz de rabo de cavalo vinha andando calmamente com seu olhar sereno e perdido em órbitas. Enquanto o outro, o mais velho deles, tinha em mãos uma grande barra de aço. Seus músculos estavam rígidos e ele se exibia mostrando sua força tentando me intimidar. Os dois do alto desceram lentamente flutuando. O homem magro flutua e fica próximo a uma pilastra no mesmo andar que eu. Já a mulher, desce e fica próxima a cratera d’água.

    Caramba! Agora me ferrei legal. Como vou poder contra todo esta corja sozinha? Nem ao menos tenho minhas armas. — Enquanto todas essas coisas passavam pela minha cabeça, enquanto a mulher descia, seus olhos brilharam e uma força gigantesca me joga para trás. Não fora o vento, não ouve lufada, fora algo místico. Uma de suas magias negras.

    Uma onda invisível cobre-me o corpo e me atira numa pilastra. Bato com muita força, cacos de concreto descolam e caem junto comigo no chão. Uma rachadura denunciava que a força tinha sido tremenda. Enquanto eu estava caída, sentia mais golpes, mas desta vez era de uma barra de metal. Era a barra que o careca trazia. Covarde! Nem esperou que eu levantasse. Golpeava-me a costela, já devia ter pelo menos umas quatro fraturadas e umas duas quebradas. Estava condenada se continuasse nestas condições. Tinha que revidar e tinha que ser agora, senão morreria na frente de todos.

    Quando ele veio desferir o quinto golpe ou sexto sei lá, me giro rapidamente no chão e agarro a ponta da barra e a puxo para mim, contudo a força que ele exerce sobre ela é enorme e ele não a solta. Utilizando de minha super velocidade, ataco seu pescoço com minhas presas e, passando rapidamente em seguida para trás dele, imobilizo-o com a própria barra. Era minha chance. Sorvi o sangue rapidamente em goles rápidos e nem pude aproveitar e degustar daquele sabor magnífico que era beber do sangue de outro vampiro. Um sangue tão condenado quanto o meu, sangue que era raro de se obter e que me deixava mais forte muito rápido.

    Instantaneamente curo alguns ferimentos pelo corpo e sinto-me revigorada. Contudo sinto minhas pernas presas e logo vejo aquelas malditas sombras prendendo-me. O selvagem vinha em minha direção com suas garras prontas para me arrancar a cabeça. O careca tentava se soltar, mas estava fraco devido à perda de sangue tão recentemente. Não podia sair dali porque os braços de sombra me prendiam as pernas. Quando o selvagem veio me estripar, uso o corpo do velhote como escudo. Sem poder parar o golpe, o selvagem retalha as costas do velho e este cai com seu sangue escorrendo por todo o chão.

    O homem magro vinha agora em minha direção para atacar-me ou sei lá o que. Sem pensar em mais nada, taco o corpo dilacerado do velho sobre o selvagem e pego a barra de sua mão. Reunindo toda minha velocidade e força, como em um jogo de baseball atiro o controlador das trevas de volta, ele bate contra uma loja quebrando a vitrine e caindo por sobre manequins e roupas. Suas sombras me soltam em seguida.

    Havia agora apenas o rapaz de capuz diante de mim. Este ainda nem demonstrara o seu poder. — Talvez ele nem fosse vampiro, mas sua pele denunciava isto. Era o mais pálido dentre eles. E nota-se claramente que não respirava. E ah, claro, a mulher lá embaixo. — Olhando agora mais atentamente para ele notei que não passava de um menino. Deve ter recebido o sangue das trevas com não mais que quinze anos. Ele agora estava com o capuz sobre a cabeça, deixando apenas ver seu rosto do nariz para baixo. Seus olhos brilhavam na sombra que a toca provocava, olhos astutos, felinos.

    Deixando de pensar no pobre menino analisei a situação. Acabara de ganhar tempo, se a moça não resolvesse me atacar novamente poderia chegar a minha moto e cair fora. E se este menino não fizer nada, poderei sair sem maiores preocupações.

    — Sim faça isto! — Ouvi meu subconsciente dizer. Ou, se não tiver chance e tiver mesmo que acabar com eles, posso usar o combustível da moto para incinerá-los. — Não isto não. Melhor se entregar. — Novamente a voz do meu subconsciente. Mas eu não podia me entregar, isto nunca! — Sim, sim é verdade. Saia com a moto então...

    Fui em direção à moto. O menino nada fez e apenas me olhou. Seu olhar acompanhou cada passo que eu dei em direção a moto. Continuou parado de pé com as mãos nos bolsos do casaco como se com medo de mim e do que poderia fazer.

    — Não faça isto!

    — Por que não? — Perguntei a mim mesma mentalmente.

    — Porque você não quer fazer isso. Desista. Se entregue!

    — Eu quero sim. Eles querem me matar, só quero me salvar.

    — Por que se salvar? É tão ruim e bebedora de sangue quanto eles. A mesma maldade que eles fazem você também faz. O que te faz diferente deles?

    Era verdade. Minha consciência me dizia a verdade que há muito tempo nego e que tento lutar contra, mas nada mais é, do que a simples e pura verdade. Tudo com que sempre lutei e matei, não eram mais que meus “irmãos no sangue”.

    Eu que andava na direção da moto. Paro momentaneamente. Ia desistir. Entregar-me e deixar ser levada por eles… — Isso… Está fazendo o certo agora.

    — Não! Eu não posso! Não quero! Não vou!

    Como se um vidro sendo estilhaçado, sinto minha mente se libertando de nuvens que a cobriam tentando controlar-me por meios de magia ou algo místico similar. O garoto cai de joelhos no chão vomitando sangue e berrando de uma dor invisível. Ele me olha com uma raiva que não sei de onde tirou e toda sua juventude pareceu sumir e me pareceu velho, tão velho quanto o careca que se contorcia no chão com o rasgo nas costas. — Nossa! É mesmo, quase havia me esquecido deles… O selvagem e o fortão, que já haviam se recuperado, vinham correndo em minha direção. O selvagem é incrivelmente mais rápido, mas eu teria que ser mais rápida que ele. Esta era minha chance… a moto!

    Com uma cambalhota, vou para o lado de trás de minha moto, mas o selvagem é mais rápido, me dilacera as costas e acerta também o tanque da moto. O que fez que jorrasse gasolina sobre ele e começasse escorrer pelo chão. Sem pensar na dor que sentia com as costas feridas, risco o bastão de metal no chão em meio à gasolina, este faiscando, incendeia o combustível e a si próprio. Com um chute potente, lanço a moto sobre o homem magro que produzia suas sombras loucamente na tentativa de me agarrar novamente. A moto segue o caminho e acerta o velho que entra em chamas também.

    Em seguida explode. A explosão acerta em cheio o garoto que ainda jazia no chão imóvel. As chamas logo corroem suas peles mortas e um pneu é disparado da moto e acerta a cabeça do homem magro que produzia suas sombras. Tentáculos negros já brotavam de suas costas e sua pele havia se tornado tão negra quanto a noite, só que com este baque, ele perde a concentração e tudo se desfaz.

    As chamas cobriam-me a visão, contive meu medo pelo fogo, o fedor das pútridas carnes eram-me inaladas contra a vontade. Uma fumaça negra subia rodopiando em espiral e logo iriam alcançar o alarme de incêndio. A barra de ferro que estava em minha posse queimava como uma tocha, mas eu tinha que agir logo, se esperasse um pouco mais o alarme seria acionado e as chamas se extinguiriam com a água.

    Corro da melhor maneira possível pulando por cima das chamas da carcaça de minha moto. Ao ficar frente a frente com o homem magro olho em seus olhos antes do último golpe. Seus olhos estavam arregalados, o pânico era facilmente notado por todo seu corpo que tremia como uma criança indefesa. Ele até fez uma alusão em correr e fugir dali o mais rápido possível, mas o trespassei com a barra em chamas que ao tocar sua pele a deixou no mesmo instante negra e nem entrou em combustão como a dos outros, ela logo se desfez em cinzas e nada mais restou além de pó. Por fim o alarme entra em ação e libera a água dos pequenos sensores no teto. Uma lama é formada das cinzas e meu cabelo e roupas ficam encharcados.

    Só faltava ela, a loira magricela. Caminhando com dificuldades, já que agora começava a sentir dor das costelas danificadas e escoriações pelo corpo, previno de não piorar a situação. Fico parada no beiral e olho para a praça abaixo. As pessoas haviam esvaziado o lugar e não restara mais ninguém além dos policiais e a mulher parada no centro da praça. Os policiais carregavam armas de grande calibre. — Também pudera, depois de todo o show que fora dado gratuitamente no shopping e nem para avisarmos a alguém com antecedência. Poderíamos cobrar entrada. — A água cessa. Os policiais apontavam seus fuzis para a mulher. Ela não se mexia, apenas tinha as mãos na cabeça como antes em sinal de concentração.

    — Não se mova, ou nós atiraremos. Você está presa! — grita um deles dando voz de prisão a ela e em seguida seria a mim. Ao darem a voz de prisão, ela abaixa as mãos rapidamente.

    — Deixe as mãos onde possamos ver! Parada aí! — Mas ela parece nem ouvir o que eles falavam, simplesmente segue andando, mesmo estando cercada por cinco policiais fortemente armados. Ela vira a palma da mão e dela surge uma pequena chama como se segurasse uma fogueira pequena. Foi o estopim para eles atirarem. Quase que em uníssono as armas estouram e abrem fogo contra ela, todavia, quando os projéteis ficam a um dedo de espaço dela, paralisam-se no ar e ela pisca lentamente. Ao piscar, seus olhos voltam-se para mim. Com um sorriso malicioso ela volta a olhar para baixo e as balas pareceram ricochetear em algo, voltam aos seus atiradores, acertando bem no meio da testa.

    — Hahahaha! Tolos… — Ela torna a andar e olha ao redor. — Alguém mais quer atirar? Hahahahaha… — Ela olha para cima em minha direção e diz com um olhar maldoso e vingativo. — Não pense que acabou aqui queridinha… Ainda existem muitos atrás de você!

    Com isso ela segue voando verticalmente em direção a clarabóia quebrada e some de vista. Sua velocidade fora incrível, nem eu pude acompanhar com meus olhos sobrenaturais.

    — E eu estarei esperando… — respondi em voz baixa. Porém ela estava certa. Ainda não havia acabado, com toda esta confusão logo o exército estaria aqui. Pulo do corrimão e chego ao primeiro piso. Alguns polícias amedrontados demais para atirar depois da cena que acabaram de presenciar abrem caminho apenas dizendo:

     — Parada! Você não pode fugir.

     — É… não posso. Mas não serão vocês a me impedir.

    Atravesso a galeria principal de lojas e chego ao corredor de saída do shopping. Ao avistar as portas de saída, avisto também uma tropa de choque adentrando batendo seus cassetetes nos escudos para fazer barulho e intimidar. Atiraram algumas granadas de efeito moral — ainda bem que não respiro!

    Paro bruscamente de correr e olho para os lados. Avisto uma porta a poucos metros de mim. Corro para a esquerda e arrombo uma porta com um chute. Deixando para trás alguns gritos de guerra e passos em corrida. — Me perseguiriam.

    Era um local reservado para os banheiros e claro uma… — Saída de emergência! — Corro para a porta e abro-a facilmente. Corro por um corredor escuro e longo, abro uma porta no fim dele bem rápido, mas não me arrisco a logo meter a cara por ela. Ao invés disso, olho discretamente para fora. Na lateral o shopping havia vários carros de polícia e bombeiros. Além dos caminhões da tropa de choque. A polícia havia isolado a área com a fita de contenção listrada amarela e preta. Luzes de holofotes eram direcionadas para os prédios locais e para as janelas do shopping. Quando pensei que estaria a salvo, que poderia sair e entrar no primeiro ônibus que aparecesse, um casal de policiais surge do lado oposto da porta.

    — Olhe! É ela a ruiva do shopping. — diz a mulher. Cabelos escuros presos numa trança curta. Vestia a farda azul da polícia. Com um colete à prova de balas e carregando uma pistola automática prateada. Seu parceiro era loiro, vestia uma jaqueta marrom e tinha a insígnia da polícia federal no bolso do casaco. Seu olhar era vazio e rude, devia estar na casa dos quarenta e ela tinha apenas uns trinta anos. Provavelmente era tutor dela ou algo parecido.

    — Olá policiais… Tudo bem com vocês? — Sorrio enquanto falo e busco os olhos de cada um deles. — Ora, meus caros. Não vão fazer nada de mal… nem me prender, não é? Por que não vão embora e finjam não terem me visto? — Ambos ficam olhando-me atônitos e sorrindo cordialmente para mim. Seus olhares se assemelhavam a adolescentes apaixonados que ficam horas se olhando e suspirando. Enfim, seguem andando para dentro do corredor e ouço, ainda que bem distante, a voz deles:

    — Não… Não passou por aqui!

    Humm isso mesmo, vocês se saíram bem — penso comigo mesma. — E outra voz ralha:

    — Como não viram uma oriental ruiva, com as roupas todas rasgadas passando por este ÚNICO corredor? — uma voz masculina grave soa pelo corredor.

    Então entro no primeiro ônibus que aparece e volto para casa.


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3 Comments on “Lendas Esquecidas #5 – Uma noite no shopping
    • Opa, obrigado.
      Então esta foi a primeira vez que escrevi um conto com esta personagem. Até então ela era apenas para quadrinho, por isso mais ação. Existem outros contos aí com menos ação e mais focado na trama.

      Vlw

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