Lendas Esquecidas #6 – O Caçador Caçado

O local era mal iluminado. Algumas lâmpadas outrora haviam sido quebradas e outras apenas queimaram com o tempo ou por motivos desconhecidos. Cartazes colados nas paredes de metal faziam todo o tipo de anúncio, desde a venda de produtos à segurança de manter as portas sempre fechadas. O piso estava ligeiramente limpo, embora ainda houvesse vestígios de papeis e pouco lixo espalhado pelos cantos dos bancos. Os suportes de ferro estavam enfileirados no centro, e se estendiam ao longo de todos os vagões. As chupetas balançavam com o chacoalhar da movimentação, o que fazia um som de metal contínuo e quase uniforme.

           A parte externa era feita de um metal tosco, com algumas pichações e em alguns lugares amassados e arranhados em outros. Em geral em bom estado, tendo em vista os outros trens que colocam para circular.

        Era o último trem vindo da Central do Brasil, rumo a Japeri. Por hora estava cheio, com muitas pessoas até de pé. Estava eu, também de pé, vindo próximo ao último banco do último vagão. Vestia roupas um tanto sociais. Pessoas conversavam, outras dormiam sentadas, outras apenas olhavam diretamente para o nada, esperando o tempo que parecia não passar. Já passava da meia noite quando o vagão em que eu estava começou a esvaziar. Finalmente sentei-me, no mesmo, ficaram duas mulheres. Uma ruiva com olhos repuxados e profundos de coloração escura. Maquilagem pesada e silhueta de uma oriental impecável. A outra, uma senhora negra que aparentava um pouco mais de cinqüenta anos. Eis que me peguei olhando para a ruiva e notei que ela, disfarçadamente, também me olhava.

        Seus olhos piscavam, enquanto suas mãos delicadas seguravam uma pequena bolsa de couro. Passei a mão em meus cabelos, também disfarçando para olhar a bela moça. Nossos olhares então se cruzaram, ela tinha olhos ligeiros e me analisou apenas pelos poucos segundos que nos olhamos. Eu fizera o mesmo e percebi melhor que ela vestia uma jaqueta de couro marrom e uma mini saia jeans. Suas pernas estavam cobertas por uma meia arrastão.

O trem finalmente para, a senhora acorda de seus pensamentos e fica de pé em frente à porta aguardando para sair. Levantei-me, pus as mãos nos bolsos do casaco e aguardei também a parada do trem. Com um movimento rápido e repentino, a oriental arremessa um objeto de madeira pontiagudo. Mal tive tempo de me abaixar, porém a estaca me perfurou a garganta rasgando-me a carne, tamanha força que ela atirou que me fez tombar para trás. A senhora visualizou a cena aterrorizada e, na mesma hora, começou a bater na porta desesperadamente querendo sair. De sua boca, gritos misturados ao medo, desespero, pânico e pressa aglomeravam-se, formando uma única palavra que ela conseguia gritar: Socorro!

        Retirei a estaca e a soltei no banco ao lado, foi neste momento que a mulher gritou ainda mais. Talvez por não ver o sangue jorrar pela minha jugular como seria o natural, talvez por ver a ruiva abrindo a boca e mostrando-me as presas em sinal ameaçador ou pelos olhos tornando-se brancos demonstrando toda sua natureza selvagem. Com isso as portas se abrem e, sem mais gritar ou esperar, a senhora corre tropeçando em seus próprios pés para fora do trem.

        Mostrei minhas presas, caninos longos e pontudos. Igualmente como ela o fizera antes, porém, assim como ela, não consegui afugentá-la. Não tive tempo para pensar, mas estranhei ao ver um ser da mesma espécie me atacando. Entretanto, ela o fazia bem, pois não esperou mais e atacou-me, todavia, agora eu estava precavido, me esquivei rapidamente e pude, em seguida, golpeá-la com um chute que a acertou nas costelas. A pressão do golpe foi tamanha que, além de estilhaçar os vidros mais próximos, a jogou longe; as barras de metal, que se estendiam pelo centro do trem, foram arrancadas ou partidas; logo depois de amassadas. O corpo da caçadora fora arremessado no outro vagão.

        Ri, gargalhei! Como seria fácil. E eu pensando que ela era das antigas. Mas sim, devia ser apenas uma recém criada em busca de poder… Porém enganou-se achando mesmo que eu deixaria que bebesse de minha fonte de poder.

Olhando em sua direção, do outro lado do trem, a vi de pé. Não mostrava dor e não aparentava nenhum arranhão na pele, a não ser roupa rasgada e meia desfiada. Será que ela seria realmente uma assassina especialista e não só mais uma dentre vários? Hum… Não, foi muito fácil acertá-la, nem precisei usar de minha velocidade. De repente, ela afasta a jaqueta para trás revelando duas pistolas em coldres de couro que estavam camufladas pela roupa até agora. As armas prateadas rapidamente, quase que numa velocidade sobrenatural, são sacadas e abre fogo sobre mim. Corro em sua direção, algumas das balas pude desviar utilizando meus reflexos sagazes unidos à velocidade perspicaz. Continuando correndo até ela, algumas balas me acertam, mas não são o suficiente forte para acabar comigo. Sinto o frio dos projéteis furando-me a pele, se alojando em meu corpo ou atravessando por ele e acertando alguma parede ou local mais atrás.

        Tinha que acabar logo com isso. A dor não era tanta, ferimentos assim sempre consegui curar em segundos. Porém, quando senti minha pele começar a regenerar, para cicatrizar a ferida e me curar por completo, alguma coisa impedia o processo. Eis então que a mulher vinha em minha direção caminhando calmamente, guardando as armas no coldre. Seu olhar demonstrava indiferença e arrogância. Com passos minuciosos e precisos. Ao ficar diante de mim, começou a falar pausada e calmamente.

        — Peguei-o não? Essas balas são tão potentes que perfuram até a pele mais resistente e vigorosa, mas esta não é a novidade. A novidade é quando adentram o corpo dos malditos almadiçoados, vampiros se assim preferir, tais como você e eu… Estas belezinhas dissolvem na mesma hora liberando uma substância que acaba corroendo instantaneamente todo seu corpo. E, ah sim, seu dom de regenerar as feridas não funciona mais. Sim tem mais, seu corpo fica imobilizado e dentro de alguns minutos, entrará em combustão acabando com todo seu corpo em chamas… Infernais? Não! Chamas Justiceiras, purificadoras por assim dizer! Tudo o que vocês bebedores de sangue precisam, não é mesmo? Agora deve estar passando pela sua cabeça, por que eu, uma sanguessuga como você, estaria fazendo isto? Simples, eu nunca pedi para ser quem sou. Porém não me deixo levar pela selvageria e, sim, tento encontrar a fonte de tudo isso, para acabar de vez com toda esta epidemia.

        Após ela terminar de falar, meu corpo perdera toda a instabilidade e equilíbrio, aos poucos foi se enrijecendo e em questão de segundos caí no chão imóvel. Tentei gritar em razão da insuportável dor que se propagava por todo meu corpo, mas sentia que não conseguia mover nem um músculo sequer. Uma reação em cadeia se formou em seguida se alastrando em mim, com pequenas explosões que formaram labaredas de fogo por partes em meu corpo, em segundos entrei em combustão como a ruiva explicara antes. Depois disso morri, deixando para trás um passado obscuro de dor, maldade, sangue e sofrimento.


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