- Senta aí que vou te contar uma história.
Ele falava com um sotaque estrangeiro, de modo incisivo e intimidador. Seus olhos eram de um azul gélido, as feições esquálidas. Olheiras acentuavam ao redor dos olhos e sua boca era uma fina linha, que pouco se mechia para articular as palavras ditas.
- Sim eu sou um vampiro. Esqueça toda esta porcaria de Crepúsculo e seriadinhos idiotas que andam fazendo por aí. Sem frescuras, ok? Sou um bebedor de sangue imortal. Fadado a existência amaldiçoada; portador do Grande Mal ou Dádiva das Trevas. Uma vez conheci um maluco que dava nomes bonitos à esta merda toda. Eu chamo simplesmente de: um lance legal.
- Fui feito o que sou, … o quê? Não me olhe com esta cara, vou explicar: Fui transformado há pelo menos 300 anos. Sabe, conforme o tempo passa as noites vão ficando mais longas e o tempo não é mais importante. O que me lembro é de não existir luz elétrica, e é por aí que tenho por base. Ou acha que minha memória é infalível?
Estávamos num bar sujo. Uma mesa de bilhar num canto, um balcão engordurado e as cadeiras e bancos já virados de ponta-cabeça. O dono do estabelecimento tentava, inutilmente, limpar uma mancha no assoalho com um esfregão. Apenas dois bêbados jaziam sentados com uma garrafa de cerveja e falavam qualquer coisa sem importância.
O vampiro e eu estávamos num canto e conversávamos displicentemente.
- Sim, cara, eu bebo sangue… o que foi? Assustou-se? Calma, não irei beber o seu. Estou bem alimentado por esta noite. A vida, ou melhor, a não-vida de um vampiro é esta eterna dança da morte. A qual vivemos por sangue, esta sede insaciável por alimento, o néctar que corre nas veias dos mortais… dos humanos, caramba! Vai ficar me interrompendo? E o sangue é tudo que consegue saciar a Fome.
- É, meu chapa… a Fome é algo que nos deixa animalescos! Verdadeiros monstros. Sabe aquela máxima: “um monstro eu devo ser, para um monstro eu não me tornar”? Ah, sei lá se está certo, é alguma porcaria deste tipo. Então, fica quieto, cara! Deixa eu falar! O negócio é o seguinte: você aos poucos vai deixando de ser Humano. Vai se tornando outra coisa, uma nova espécie.
- Como foi que surgimos? Você diz com relação ao Primeiro de nós? Esta merdaiada toda de Livro Sagrado e coisas assim? Meu irmão, sei que você não é burro, para ‘pra pensar só um instante: Se alguém soubesse como esta porcaria toda começou, acha mesmo que estaria por aí escrito em livros bem encadernados, e berrando em templos clamando por doações para a “obra do Senhor”? Se toca, cara! Quando um conhecimento deste porte é sabido, ele é guardado à sete chaves. Afinal, conhecimento é poder. E o que é divulgado é apenas uma parcela do que se sabe. E não. Não sei e não quero saber como surgimos. Se foi por um espírito malígno, um louco empalador ou amaldiçoados por anjos de Deus... que se dane! Não faço questão nenhuma de saber.
- Mas se tem alguma vantagem em ser vampiro? Óbvio que tem, ninguém vira isso atoa, ‘tá… tudo bem, tem uns que são transformados sem pedir, e coisa e tal… mas com o tempo vai experimentando as sensações da imortalidade. As capacidades sobrenaturais que apenas nós, vampiros, somos capazes de fazer. A velocidade, a força, a resistência… isso sem contar em dons mais específicos: virar animais, controlar multidões, manipular elementos, a própria treva… tem coisa que até o Diabo duvida! Qualquer dia te mostro um truque ou outro.
- Então, assim como os mortais, nós os imortais também nos organizamos em sociedade. Claro, não nos reproduzimos como loucos que nem vocês. Mas podemos criar um semelhante e assim aumentar a densidade populacional dos nossos por aí. Claro, você vai encontrar para cada 100 pessoas um vampiro, ou coisa do tipo. Ou então, seria complicado existir todo este tempo. Existem leis que controlam essa coisa toda. Mas é muita informação para te falar aqui. Até por que, já vai amanhecer.
- Apenas tenha em mente que os Humanos são alimentos. Sim cara, para nós vampiros vocês não passam de um lanchinho. São usados para nos servir durante o dia e como forma de saciar nossa sede à noite.
- Mas então, aqui estamos, faltam alguns minutos para o sol raiar. Então me diga: Você pode sair desta morto ou não-vivo. Como você prefere? Ah, não me venha com esta… se quisesse ir embora poderia ter tentado antes. O presente que tenho para te dar é muito melhor do que você jamais poderá um dia ter.
- E então, posso fazê-lo viver para sempre? Eu sabia que aceitaria. Gosto disso, sabe?
- O quê? Está com medo? É bom ter medo… ele nos faz lembrar que ainda, mesmo que apenas um pouco, nos resta alguma lucidez. O que foi? Acha que estou blefando? Que sou maluco?
- Pois é… todos nós temos um pouco de loucura.
O dono do bar acabava de limpar o balcão. Os bêbados já estavam desmaiados tomados pela embriaguez. E apenas restara um cara sentado sozinho, falando baixo e gesticulando ora ou outra. Mas falava num idioma que o dono do bar não conhecia. Seria russo? Alemão? Não importa, o esquesito é que ele falava sozinho.
Num momento o estranho estava ali em suas divagações. Num piscar de olhos, desaparecera. O dono do bar coçou os olhos afastando o sono pela madrugada não dormida, mas nada mudou. O cara realmente desapareceu. Ele achara que devia estar com muito sono. Não devia ter ninguém mais ali além dos dois bêbados. Ele apenas imaginara coisas.
Momentos antes do sol nascer, o vampiro arrastou-se para baixo do assoalho do porão e entregou-se ao sono diurno. Naquele dia sonhou com a noite em que fora transformardo num bebedor de sangue.
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