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Lendas Esquecidas #11 – Um brinde à Morte!

- Senta aí que vou te contar uma história.

vampiro-energc3a9ticos-4Ele falava com um sotaque estrangeiro, de modo incisivo e intimidador. Seus olhos eram de um azul gélido, as feições esquálidas. Olheiras acentuavam ao redor dos olhos e sua boca era uma fina linha, que pouco se mechia para articular as palavras ditas.

- Sim eu sou um vampiro. Esqueça toda esta porcaria de Crepúsculo e seriadinhos idiotas que andam fazendo por aí. Sem frescuras, ok? Sou um bebedor de sangue imortal. Fadado a existência amaldiçoada; portador do Grande Mal ou Dádiva das Trevas. Uma vez conheci um maluco que dava nomes bonitos à esta merda toda. Eu chamo simplesmente de: um lance legal.

- Fui feito o que sou, … o quê? Não me olhe com esta cara, vou explicar: Fui transformado há pelo menos 300 anos. Sabe,  conforme o tempo passa as noites vão ficando mais longas e o tempo não é mais importante. O que me lembro é de não existir luz elétrica, e é por aí que tenho por base. Ou acha que minha memória é infalível?

Estávamos num bar sujo. Uma mesa de bilhar num canto, um balcão engordurado e as cadeiras e bancos já virados de ponta-cabeça. O dono do estabelecimento tentava, inutilmente, limpar uma mancha no assoalho com um esfregão. Apenas dois bêbados jaziam sentados com uma garrafa de cerveja e falavam qualquer coisa sem importância.

O vampiro e eu estávamos num canto e conversávamos displicentemente.

vampire-lookjpg-313- Sim, cara, eu bebo sangue… o que foi? Assustou-se? Calma, não irei beber o seu. Estou bem alimentado por esta noite. A vida, ou melhor, a não-vida de um vampiro é esta eterna dança da morte. A qual vivemos por sangue, esta sede insaciável por alimento, o néctar que corre nas veias dos mortais… dos humanos, caramba! Vai ficar me interrompendo? E o sangue é tudo que consegue saciar a Fome.

- É, meu chapa… a Fome é algo que nos deixa animalescos! Verdadeiros monstros. Sabe aquela máxima: “um monstro eu devo ser, para um monstro eu não me tornar”? Ah, sei lá se está certo, é alguma porcaria deste tipo. Então, fica quieto, cara! Deixa eu falar! O negócio é o seguinte: você aos poucos vai deixando de ser Humano. Vai se tornando outra coisa, uma nova espécie.

- Como foi que surgimos? Você diz com relação ao Primeiro de nós? Esta merdaiada toda de Livro Sagrado e coisas assim? Meu irmão, sei que você não é burro, para ‘pra pensar só um instante: Se alguém soubesse como esta porcaria toda começou, acha mesmo que estaria por aí escrito em livros bem encadernados, e berrando em templos clamando por doações para a “obra do Senhor”? Se toca, cara! Quando um conhecimento deste porte é sabido, ele é guardado à sete chaves. Afinal, conhecimento é poder. E o que é divulgado é apenas uma parcela do que se sabe. E não.  Não sei e não quero saber como surgimos. Se foi por um espírito malígno, um louco empalador ou amaldiçoados por anjos de Deus... que se dane! Não faço questão nenhuma de saber.

vampire1- Mas se tem alguma vantagem em ser vampiro? Óbvio que tem, ninguém vira isso atoa, ‘… tudo bem, tem uns que são transformados sem pedir, e coisa e tal… mas com o tempo vai experimentando as sensações da imortalidade. As capacidades sobrenaturais que apenas nós, vampiros, somos capazes de fazer. A velocidade, a força, a resistência… isso sem contar em dons mais específicos: virar animais, controlar multidões, manipular elementos, a própria treva… tem coisa que até  o Diabo duvida! Qualquer dia te mostro um truque ou outro.

- Então, assim como os mortais, nós os imortais também nos organizamos em sociedade. Claro, não nos reproduzimos como loucos que nem vocês. Mas podemos criar um semelhante e assim aumentar a densidade populacional dos nossos por aí. Claro, você vai encontrar para cada 100 pessoas um vampiro, ou coisa do tipo. Ou então, seria complicado existir todo este tempo. Existem leis que controlam essa coisa toda. Mas é muita informação para te falar aqui. Até por que, já vai amanhecer.

- Apenas tenha em mente que os Humanos são alimentos. Sim cara, para nós vampiros vocês não passam de um lanchinho. São usados para nos servir durante o dia e como forma de saciar nossa sede à noite.

- Mas então, aqui estamos, faltam alguns minutos para o sol raiar. Então me diga: Você pode sair desta morto ou não-vivo. Como você prefere? Ah, não me venha com esta… se quisesse ir embora poderia ter tentado antes. O presente que tenho para te dar é muito melhor do que você jamais poderá um dia ter.

- E então, posso fazê-lo viver para sempre? Eu sabia que aceitaria. Gosto disso, sabe?

- O quê? Está com medo? É bom ter medo… ele nos faz lembrar que ainda, mesmo que apenas um pouco, nos resta alguma lucidez. O que foi? Acha que estou blefando? Que sou maluco?

- Pois é… todos nós temos um pouco de loucura.

 

O dono do bar acabava de limpar o balcão. Os bêbados já estavam desmaiados tomados pela embriaguez. E apenas restara um cara sentado sozinho, falando baixo e gesticulando ora ou outra. Mas falava num idioma que o dono do bar não conhecia. Seria russo? Alemão? Não importa, o esquesito é que ele falava sozinho.

Num momento o estranho estava ali em suas divagações. Num piscar de olhos, desaparecera. O dono do bar coçou os olhos afastando o sono pela madrugada não dormida, mas nada mudou. O cara realmente desapareceu. Ele achara que devia estar com muito sono. Não devia ter ninguém mais ali além dos dois bêbados. Ele apenas imaginara coisas.

 

Momentos antes do sol nascer, o vampiro arrastou-se para baixo do assoalho do porão e entregou-se ao sono diurno. Naquele dia sonhou com a noite em que fora transformardo num bebedor de sangue.


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Tolkien e a Sociedade brasileira

Poucos homens marcam a história de toda a humanidade. Menos ainda fazem isso de maneira positiva e se tornam inesquecíveis e imprescindíveis como exemplos para as próximas gerações.

Hoje eu gostaria de falar sobre Sir John Ronald Reuel Tolkien, ou como todos o conhecemos: J. R. R. Tolkien.

Como RPGistas (e/ou atualmente, também os cinéfilos), acredito que ele dispensa apresentações. Então eu gostaria de conversar e colocar em pauta algumas reflexões que este verdadeiro Mestre produz em mim, quando aprendo e analiso sua Obra e sua vida.

Um apaixonado pela Lingüística, amante profundo do conhecimento e acima de tudo um caçador da origem das palavras, lendas e boas histórias, este homem deixou um legado no que se refere a exemplo de paixão por algo de que se gosta.

Com um interesse pelo lúdico e imaginativo, afirmou certa vez que algumas línguas chamadas “mortas” eram ainda mais “mortas” que outras que já haviam caído em desuso, pois seus criadores não as haviam munido de lendas e histórias.

Ele considerava indissociáveis os fatores folclóricos, culturais e lúdicos de uma “Língua” para a manutenção de sua importância e engrandecimento de sua estrutura.

Escrevendo muitos de seus manuscritos para seus próprios filhos, aproximou-os de sua própria paixão, e arrebanhou infantes pelo mundo afora para seu assim chamado “mundo secundário”.

Tolkien não só trouxe gerações e gerações para mais próximo da leitura, ou forneceu combustível para a imaginação de milhões através dos anos, mas pôde propiciar o fato singular e brilhante de agregar todas as mentes em um só lugar… um mesmo mundo… segundo suas próprias palavras:

[Criei] um Mundo Secundário no qual sua mente pode entrar. Dentro dele, tudo o que ele relatar é “verdade”: está de acordo com as leis daquele mundo. Portanto, acreditamos enquanto estamos, por assim dizer, do lado de dentro.”

Para mim, Natan Tomé, a maior obra de Tolkien não foi “O Silmarillion”, “O Hobbit”, ou “O Senhor dos Anéis”, suas obras mais difundidas e conhecidas (assim acredito), mas ter demonstrado O Poder do Saber, O Poder da Paixão pela Criação e O Poder que subsiste na Identidade dos Povos.

Tolkien acreditava no poder do saber, e perseguia avidamente mais e mais conhecimentos, indo a fundo na identidade dos povos através da Lingüística, e assim encontrou o poder criativo para demonstrar estas maravilhas para aqueles que jamais poderiam ter acesso a tais maravilhas. Tolkien me ensina que não há coisa melhor do que aprender. E transmitir conhecimento.

 

 

E então…

E então eu olho em volta, e vejo um cenário muito diferente de tudo o que Tolkien me ensinou aqui no Brasil.

Vejo ensino primário precário em estímulo ao lúdico e ao raciocínio crítico, onde se ensina a nossas crianças como se deve pensar, ao invés de como pensarem por si mesmas.

Orientações pedagógicas restritivas ao ensino proveitoso e produtivo, onde professores (dentre os quais conheço e conheci muitos) lutam contra suas diretorias, Sociedade e muitas das vezes contra pais de alunos para proporcionar brasileiros melhores para o futuro.

Culpa da diretoria? Creio que não. Eles apenas recebem orientações… Culpa da Sociedade? Poderíamos dizer que sim, pois em uma República Federativa, espera-se que haja consciência na hora de exercer seus direitos de escolha… Culpa dos Pais? Como estes que vieram deste mesmo sistema poderiam ser plenamente responsabilizados? Só estão repetindo o padrão…

Este cenário se repete por anos a fio, em todas as escalas de ensino, pois no ginásio, ensino médio e na maioria das faculdades e universidades, as coisas não se mostram diferentes.

O que isso tem a ver com o RPG? Você me pergunta…

Tudo isso denota uma intensa dificuldade de expressão por parte dos brasileiros, uma tendência à depredação social da linguagem por parte da Sociedade, onde se traveste de “Cultura” aquilo que outros povos acertadamente conhecem apenas como tendências.
O povo se distancia da Linguagem, vai mistificando sua Identidade e se relaciona muito mal com sua Imaginação, e com tudo aquilo que encantou a Tolkien.

Voltando a ele, um dos produtos de seu intenso amor através dos anos, o RPG, se posiciona exatamente contrário a todos estes fatores que percebo no cenário educacional brasileiro, e assim posso traçar uma linha conclusiva do porque o brasileiro é tão desconfiado do nosso amado Hobby.

Não somos ensinados a pensar, imaginar, produzir e principalmente a criar. Então se introduz em nosso país algo que além de se opor a nossa realidade, ainda faz isso tudo em conjunto!

Aliás, outra coisa que não somos ensinados: Agir em conjunto. Em grupo. Em união.

Na cultura do cada um por si e no máximo eu e minha família, para muitas pessoas é difícil sentar em uma tarde de sábado com alguns refrigerantes e “ligar” o consciente coletivo em um mesmo lugar chamado “Toril”, “Arda” ou “Mega City”… Não somos ensinados a isso no colégio.

Opa… consciente coletivo? O que é isso mesmo?

O brasileiro tem uma desconfiança natural do RPG, não apenas por matérias jornalísticas caluniosas do passado, ou exemplos extremos pescados em maus jogadores de Live Action. Brasileiros desconfiam naturalmente do RPG porque ano após ano, não são ensinados a olhar para dentro de si. E acima de tudo se expressar quanto a isso.

Quer um exemplo? Os tais “assuntos indiscutíveisPolítica, Religião e Futebol

Ou seja, se você tem de expressar aquilo que acredita, ou defende, mas outros podem discordar: Não o faça.

No RPG, isso não teria vez… Não seria possível…

Defendo: o RPG é e se posiciona como uma maneira de aproximar o brasileiro do lúdico, do pensamento por si só, e funciona como uma forma eficiente de treinar sua expressão.

Defendo também sua função restauradora (em termos sociais) quanto à capacidade de entender, desmitificar e interagir com o pensamento de outrem, além de ser uma possível porta para destrancar todo o potencial do pensamento crítico por parte do cidadão, seja ele estudante, profissional ou idoso.

Seja você formador de opinião ou não, você precisa disto. Porque produzir conhecimento de si mesmo, passa pelo conhecimento da linguagem, do entender o que está a sua volta e utilizar seu conhecimento e capacidade imaginativa para ultrapassar limites. E continuamente ir construindo nossa identidade como nação.

Obrigado Tolkien. Você me forneceu, e continua fornecendo a todas as gerações as armas para tentar transformar minha realidade, e a realidade dos que estão à minha volta. Não sei se você sabia que isto iria acontecer, mas o fato de você ter feito engrandece por demais minha admiração por você.

E tudo começou com seu amor e dedicação ao que gostava…

 

Créditos de Imagem:

01  Elfdaughter ( http://bit.ly/PgaQev )
02  Lueb-Art ( http://bit.ly/SOd1FK )
03  fresco-child ( http://bit.ly/OWTqT1 )
04  Deligaris ( http://bit.ly/QzBb7j )
05  CG-Warrior ( http://bit.ly/Q1RE3B )
06  Shockbolt ( http://bit.ly/SqRDLP )
07  JakeMurray ( http://bit.ly/SqRFDG )
08  moonxels ( http://bit.ly/TqILYg )


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“Os Biscoitos da Sorte Abençoados de Tamu-ra”

Que levante a mão aquele que nunca leu “Holy Avenger“, nunca pegou numa das antigas aventuras da Dragão Brasil falando sobre templos de homens-serpente, labirintos de guerreiros minotauros ou ameaças de exércitos globinóides e ainda aquele que nunca sonhou empunhar Rhumnam, a sagrada espada do avatar do deus da Justiça…

Ok, agora abaixe a mão… Você está atraindo a vergonha sobre si…

Brincadeiras a parte, você gostando ou não, não pode negar a importância do famoso cenário de campanha Tormenta para o RPG no brasil.

Como pude compartilhar no meu primeiro post no blog (que por sinal já pede uma parte 2), meu primeiro contato com o RPG foi em um livro-jogo, mas a compreensão do potencial desta coisa maravilhosa só veio mesmo com a DB 50.

Eis que recentemente em um súbito ataque de oportunidade, a paixão por este cenário voltou com tudo, e estou amando as novidades do TormentaRPG.

Chorei, chorei e consegui que meu querido mestre Antunes (@Old_Paladin) iniciasse uma campanha no cenário, e consegui ainda que eu pudesse testar um antigo sonho: Jogar com um Dragão!

Calma, peraí, não começarei com todos os poderes, mas evoluirei aos poucos, conforme avanço de nível. Um trabalho primoroso de criação de um talentoso RPGista, confira:

Fórum Jambô: Raça/Classe Krestlar para TormentaRPG

Encontrei este excelente material enquanto fuçava no fórum da Jambô, e deixo aqui para vocês o background de Hideaki Shirou (significado: Brilho Esplêndido da Pureza), um dragão do vácuo tamuriano que vivia a eternidade em Sora (plano celestial de Lin-Wu) mas veio a Arton por amor a seu Nobre Senhor Imperador Dragão.

O mestre adorou o background, então incentivado por ele, está aí a lenda da origem dos “Biscoitos da Sorte Abençoados de Tamu-ra“.

 

- Papai, você trouxe, você trouxe?
-Sim, meu pequeno guerreiro… Assim como você sempre deseja, eu trouxe…
-Obaaa!  Obaaa!  Papai, esta é a melhor parte do meu dia, quando o senhor volta de suas obrigações…
- Fico feliz em ouvir isso… E mais feliz ainda pelo fato de você gostar tanto especialmente disto. Diga-me, já lhe contei a lenda sobre a origem dos famosos “Biscoitos da Sorte Abençoados de Tamu-ra”?

 

O clima estava ameno ali. Sempre era naquela época do ano. E as pétalas rosadas das flores brilhantes dançavam ao vento. Elas sempre dançam nesta época do ano.
Sora, o Plano Divino do Imperador Dragão Lin-Wu era o espelho perfeito de sua divindade: Beleza, Perfeição e Equilíbrio.

Mas aquele não era um dia comum, ao menos para um de seus habitantes. Seu nome fora perdido no tempo por aqueles que poderiam lembrar, e às vezes até mesmo entre alguns dos habitantes da Fortaleza Takayama, um colossal palácio onde seu topo investia contra as nuvens e singrava o céu.
Ele vivia, assim como os outros habitantes, simplesmente para servir ao Imperador Dragão e não era uma criatura comum, mas sim um imponente e poderoso Dragão do Vácuo, a semelhança de seu próprio mestre.

No entanto, seu status não era tão alto quanto poderia ser, e na verdade isto não importava muito, tanto para ele quanto para qualquer outro, pois servir ao Senhor era a única coisa que era importante. E no fim, mesmo nas mais baixas castas, mesmo a espera durando milhares de anos, chegaria o dia que um dos servos poderia realizar a cerimônia do chá frente ao próprio Lin-Wu. Apesar das noções de tempo e espaço serem totalmente diferentes do plano material, de tempos em tempos Lin-Wu separava um leal servo e passaria uma tarde agradável em sua companhia, e o serviria em respeito e reconhecimento a seu valor.

E aquele era o dia dele, e ele se aprontou o melhor que pôde, e quando foi convocado à presença do Imperador, pôs-se a contemplá-lo com todo o seu poder, beleza, honra e perfeição.
Mas uma coisa especial estava reservada para aquele dia. Nada escapa aos aguçados sentidos de uma divindade, e exatamente naquele momento, em paralelo à cerimônia do chá com seu servo, Lin-Wu percebeu que algo importante demais estava acontecendo.

Longe dali, em Arton uma comitiva chegava a seu destino, após muitos e muitos quilômetros de viagem.
Alec Danaghar, Embaixador Real d’O Reinado chegava com a primeira comitiva (mais parecendo uma missão) à ilha de Tamu-ra. Era o primeiro contato com aqueles estranhos humanos que viviam na outra parte do continente.
Lin-Wu sabia e compreendia a importância daquele momento, e subitamente então, todos os seus servos celestiais também sabiam, porque ele quis assim. Foi ali que seu servo, a sua frente, soube que possivelmente sempre estaria na memória de seu Senhor, por motivo de estar presente em um momento tão importante.

Mas inesperadamente uma coisa aconteceu. Alec Danaghar se apaixonou. Apaixonou-se por Tamu-ra, sua cultura, seus costumes, seu povo, seu deus. Passou ali três semanas inteiras tecendo seus relatórios para seu rei, e neles, descreveu-os com tanta admiração e paixão que tocou até mesmo o próprio Imperador Dragão Lin-Wu.

Rapidamente era à tarde anterior ao dia da partida de Alec, mas em Sora, servo e senhor ainda contemplavam tal amor e admiração. E tristeza.

Alec não queria ir embora, e havia também contagiado seus conterrâneos. O Imperador de Jade de Tamu-ra também percebeu a aflição no rosto daquele gaijin que aprendeu a respeitar. E então, do fundo de seu coração, agradeceu a Lin-Wu por existir Honra, Amor e Devoção nas terras além mar.

O servo celestial olhou para seu Imperador Dragão. E então contemplou Arton novamente naquela que era a última noite em conjunto de pessoas que aprenderam a se respeitar e a se honrar. Tomou uma decisão.

O leal Dragão do Vácuo pediu a seu Senhor Dragão que de alguma maneira o permitisse servir a ele proporcionando ao jovem Alec a percepção verdadeira de que mesmo fora de Tamu-ra aquele povo, todo o seu modo de vida e o próprio Lin-Wu ainda estariam com ele.

Tal pedido agradou Lin-Wu. Agradou de tal forma que mesmo sabendo que não possuía poder fora de Tamu-ra, foi até o reino de Wynna, a deusa da magia e com ela forjou um trato, onde através de seu poder, permitiria de alguma forma manter sua proteção a Alec.

Wynna por sua vez, analisou a situação e se compadeceu, e viu ali uma boa oportunidade de criar algo inteiramente novo através da Magia, e mesmo sabendo que não poderia ir contra este impulso criativo que a tomava por completo e a definia (o que por conseqüência denotava que Lin-Wu a estava manipulando em favor próprio) testou o servo do Imperador Dragão.

Disse a ele que poderia sim proporcionar tal acontecimento, se ele estivesse disposto a abdicar de tudo, em favor de servir ao seu Senhor, pois ela deveria usar no processo toda a centelha celestial de vida que residia nele.

Prontamente, o servo ajoelhou-se, e com rosto em terra, entregou-se ao seu destino, fosse ele qual fosse.

Ele mesmo não viu, mas a sempre alegre e exuberante Wynna olhou para Lin-Wu com uma solitária e teimosa lágrima em seu rosto inesquecível, emocionada frente a tanta e dedicação, sabendo que dificilmente receberia tal lealdade da maioria de seus adoradores (ela mesma uma caótica divindade).

Ajoelhado ali, ele ouviu a sentença definitiva de seu futuro:

- Por tua Honra e Lealdade, servirás ao teu propósito entre os mortais, e serás tu mesmo um mortal. Mas pelo amor que demonstrou, terás em ti a capacidade de retornar ao teu status atual, liberando em ti a herança maior do poderoso Lin-Wu, assim como meu supremo dom, a prodigiosa Magia.

- Serás daqui por diante e para sempre guardião da família Danaghar, sua descendência e posteridade. Encerrarás em ti eternamente as bênçãos de Lin-Wu e o reconhecimento de Wynna.

 

De repente tudo escureceu, e de alguma forma o servo fiel sabia que não possuía mais seu serpenteante corpo, patas ou até mesmo suas presas. Era em si mesmo só consciência, mas em si carregava as sementes de duas divindades.

Contemplou-se caindo eternamente por nuvens douradas de um avançado entardecer tamuriano, viu os fogos das festividades, e as luzes das casas, e contemplou um grande palácio, e então atravessou telhados e paredes, e móveis e pessoas, e caiu…   Em uma mesa de cozinha, cheia de massas de bolos e biscoitos.

Naquela noite, o imperador tamuriano fez um respeitável discurso, ausente de emoção como um bom tamuriano, mas assim mesmo inflado de admiração. Todos sentiram o clima de amizade verdadeira enquanto ele declarava abertas as portas para novas comitivas, e declarava também missões diplomáticas e acordos futuros a serem feitos com Deheon.

Como sinal de uma derradeira honra, ordenou que trouxessem os alimentos, e que Alec Danaghar fosse o primeiro a ser servido, o que por si só já seria uma quebra incomum do protocolo tamuriano.

Alec sabia que não conseguiria se alimentar, mas decidiu que seria ruim se não o fizesse. Hesitantemente declarou a todos que gostaria de nunca partir, mas havia sua família para rever e seus deveres para cumprir, mas gostaria que pudesse levar consigo um pedaço de Tamu-ra.

Olhou para a mesa e o formato encravado na superfície de um biscoito chamou sua atenção. Nele, estava incrustada uma forma de dragão prateada semelhante ao seu recém descoberto Lin-Wu, e nenhum outro biscoito possuía aquele entalhe.

Ao pegá-lo, quebrou um pedaço e descobriu que aquele entalhe na verdade era um medalhão com as seguintes palavras entalhadas no seu verso: “Todas as Proteções ao que é Honrado

 

Ninguém havia colocado aquele medalhão ali. Pois tentaram em vão por horas descobrir sua origem. O caso se tornou famoso, pois o imperador deu aquele medalhão de prata de presente para o gaijin, e declarou que agora, inegavelmente uma parte de Tamu-ra iria acompanhá-lo.

No dia seguinte, um sacerdote abençoou a partida da missão diplomática e contou a Alec que sonhou que aquele amuleto possuía a força de Lin-Wu, e que quando precisasse de proteção, orasse com fervor olhando em direção a ele que assim seria respondido.

Com o passar do tempo, os biscoitos se tornaram uma tradição, e as palavras entalhadas se tornaram pequenos bilhetes colocados em seu interior.

Mas em qualquer lugar que alguém comesse um “Biscoito da Sorte Abençoado”, saberia que Lin-Wu está sempre disposto a reconhecer a honra de qualquer um que a possua.

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Alec Danaghar se tornou o primeiro devoto de Lin-Wu fora de Tamu-ra, e com o passar do tempo seu fervor se espalhou por sua família. Os acordos com Tamu-ra foram estabelecidos e fortalecidos, e depois de anos, uma pequena comunidade se estabeleceu dentro do Reinado, mais especificamente em Valkaria.

O próprio Alec nunca voltou a Tamu-ra, mas aquele item de inestimável valor sentimental e religioso sempre ocupou posição de destaque em sua família, e admiração de seus vizinhos, amigos e familiares. Ao passar dos anos, Lin-Wu começou a ser venerado também em Deheon (mesmo que pouco influente) e a família Danaghar se tornou próspera e poderosa dentro da aristocracia do reinado.

Todos os Danaghar sabiam que o medalhão “sagrado” de seu antepassado não era um item mundano e comum, mas ninguém sabia realmente o que ele fazia. Até recentemente.

 

Alethus Danaghar é o atual patriarca, e segue fielmente o código de conduta da família, que é por conseqüência os preceitos de Lin-Wu. Suas relações com Nitamu-ra são estreitas e fortes, e ele é um dos poucos que gozavam de relativa abertura nos momentos antes da libertação de Tamu-ra da área de Tormenta que lá havia, e agora ele possui ainda mais contatos.

O problema é que há três anos sua filha Eliana foi prometida a um duque de um reino vizinho, e viajou para se encontrar com seu futuro senhor e marido, para passar uma temporada com seus futuros familiares. No meio da viagem, desapareceu sem deixar rastros, deixando como pista apenas uma palavra escrita com sangue na empoeirada estrada de terra batida por um de seus muitos guardas moribundos: Enclave Herege.

Depois de dois anos lutando para descobrir o paradeiro de sua filha, com dor e sofrimento, gastando somas incontáveis de dinheiro com mercenários, investigadores e aventureiros, Alethus desistiu de acreditar que Eliana pudesse estar viva. Mas mesmo assim, queria vingança.

Uma noite, seu ex-futuro genro veio visitá-lo, como costumava fazer, para compartilhar de suas lamentações e saber as últimas notícias sobre sua amada desaparecida.
Em uma conversa bem tardia frente à lareira em uma noite friorenta, ele contemplou o altar bem alto incrustado na parede onde residia o antigo amuleto sagrado da família Danaghar.

Após uma breve explicação sobre sua origem, Alethus ia se retirando com lágrimas nos olhos quando subitamente ouviu as seguintes palavras saírem da boca de seu convidado:

 - Não sei se você pode me ouvir… À bem da verdade, não o conheço muito bem. Mas se você está me ouvindo, ó Nobre Dragão de Tamu-ra, traga minha amada Eliana de volta, ou despeje desolação e destruição sobre seus algozes em nome de sua HONRA e em JUSTIÇA.

 

Um estrondo enorme se seguiu, e luzes brilhantes misturadas as mais densas trevas saltaram violentamente do medalhão, acompanhadas do mais alto e aterrorizante rugido que qualquer um naquela mansão jamais havia presenciado em seu mais perturbador pesadelo, mas ao invés de pavor e desespero, aqueles que ali residiam sentiram fulgir esperança e poder dentro de si.

Alethus pensou que talvez aquela figura serpenteante que trespassava aquele pequeno item e se tornava um dragão alongado e poderoso pudesse ser o próprio Lin-Wu, mas assim que terminou de sair seja lá de onde estivesse saindo, sua voz trovejante se identificou como “O” protetor dos Danaghar, servo fiel do Imperador Dragão Lin-Wu, e responsável eternamente por descobrir o paradeiro de Eliana Danaghar.

Contou a eles que há séculos estava encerrado dentro do medalhão, e repousava adormecido enquanto sua existência ali irradiava Sorte (Wynna) e Proteção (Lin-Wu) para os Danaghar enquanto fossem fiéis aos preceitos de Lin-Wu.

Estava adormecido até o momento do sequestro, dois anos antes, quando despertou e não pôde cumprir seu dever, pois era necessário assim como foi dito a Alec Danaghar que “quando algum Danaghar estivesse em necessidade de proteção ou auxílio, alguém orasse com fervor olhando em direção ao amuleto que assim seria respondido…

Agora ele estava livre, e iria seguir seu destino: Cumprir seu dever.
Recusou terminantemente o auxílio de Alethus e do jovem prometido de Eliana, e mesmo enfraquecido partiu em busca de informações sobre o Enclave Herege.

Passou o último ano em sua busca, e no início estava apenas em sua forma dracônica, mas muito enfraquecido e diminuto. Foi perseguido, tratado com espanto e admiração, e alguns magos estudiosos até o consideraram um raro espécime a ser estudado.

Evoluiu, adquiriu poder, se tornou influente e aprendeu que o mundo mudou nestes séculos. Descobriu coisas sobre sua raça, que era agora um Krestlar, uma raça dracônica que nascia muito mais fraca que os dragões normais, mas poderia evoluir muito mais rápido que seus iguais. Por isso, agradeceu a Wynna, de coração. Com o passar do tempo, começou a fazer muito isso. Tanto que passou um bom tempo tentando reunir informações em templos da deusa pelo Reinado, tendo contato com seus clérigos.

Lin-Wu é seu Eterno Senhor, mas ele não poderia servi-lo fielmente da forma que queria se não fosse Wynna. Ela acabou proporcionando que a fé de Lin-Wu se espalhasse de Tamu-ra até Deheon e por todo Arton.

Possivelmente por causa disto que o Imperador Takametsu pôde transferir uma parte da corte real e alguns sobreviventes de Tamu-ra para o que depois veio a ser Nitamu-ra quando a Tormenta atacou.

E ele foi à ferramenta para que a fé se espalhasse.

Entendeu que servi-la não iria interferir sua adoração pelo seu Daymio Celestial, e se tornou também devoto dela. Depois de um tempo e algumas aventuras, adquiriu poder para se metamorfosear em uma criatura menos chamativa, e descobriu que a sua forma alternativa era um Qareen, um descendente de gênios nativos do plano de Wynna.

Mesmo ali, depois de tanto tempo ela ainda o ajudava a cumprir seu dever. A raça de sua forma alternativa era um sinal de Wynna, que agora também era parte de sua essência. Ele por si só exalava magia. E também exalava honra.

Adotou o nome de Hideoki Shirou, que em tamuriano arcaico quer dizer “Brilho Esplêndido da Pureza”, uma alusão a Lin-Wu e seu aspecto dracônico do Vácuo, simbolizando a união entre o positivo e o negativo, o Equilíbrio Eterno.

Assim, desbrava seu destino em busca de cumprir seu dever, honrando a seu Senhor decretando o equilíbrio em Arton e honrando também à deusa da Magia, expressando a ela aquela devoção e lealdade de um modo que ela nunca esperaria de um fiel, mas mesmo assim que tem um sabor tão agradável.

E é claro, trazendo a fúria ancestral de duas divindades sobre uma suposta organização secreta que ousou atravessar seu caminho.

Créditos de Imagem:

01  garun ( http://bit.ly/PiysSp )
02  PepperComics ( http://bit.ly/RDFqxs )
03  6nailbomb9 ( http://bit.ly/RNTXex )
04  foowahu-etsy ( http://bit.ly/Piz0HZ )
05  akyra ( http://bit.ly/U4FaJS )
06  yuumei ( http://bit.ly/OltXrJ )
07  yuumei ( http://bit.ly/RDETLY )
08  VampirePrincess007 ( http://bit.ly/RxvjQs )


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Lendas Esquecidas #10 – O Beijo Gelado

O Beijo Gelado

 

          

          ESTAVA FRIO.

          Frio como minha alva pele macia e lustrosa, como o luar daquela noite, que só não se equiparava com a bela lua cheia deste sábado sombrio.

            Meus trajes eram negros como a noite. A boca rubra sobressaía ofuscada talvez só pelos meus olhos hipnotizantes como duas esmeraldas brutas.

            Assim saí à quarta hora após se pôr meu temido sol. Caminhando lentamente pelas ruas ainda alagadas pela chuva da noite anterior. As pessoas já se recolhiam para o conforto de suas casas, mas ainda havia aquelas mais ousadas que permaneciam até mais tarde na solidão e perigo da noite, perigo de meu beijo gelado.

            Eu cruzava agora uma ponte arqueada que ligava a cidade por sobre o rio. E foi nesta ponte que eu a vi. Parada. Mirando em algo além do que meus olhos puderam perceber, ainda.

            Sua pele era tão branca quanto a minha, com lábios bem feitos e semi cerrados que logo me deixaram apaixonado. Ela vestia uma calça jeans baixa e uma jaqueta negra que se confundia com os cachos também negros de seu longo cabelo.

            Conforme eu me aproximava, sentia sua mente se ligando a minha, sua alma e a minha eram uma só. Ela tentava fugir de minha mente, banir seus pensamentos de mim, no entanto eu já havia ganhado. Já a dominara.

            Contudo foi quando me postei a sua frente, que  pode me vencer. Entreguei-me à ela, não pude resistir a sua beleza exuberante.

            Com dois olhos negros e puxadinhos, quase oriental. Percebi que um filete vermelho tingindo-lhe a face próxima ao queixo. A pele denunciava-a, éramos iguais, ambos carregávamos o fardo sombrio e eterno.

         Ela então me abraçou. Suas lágrimas de sangue escorreram pelo meu ombro. Acabara de fazer sua primeira vítima, sua primeira morte. Dor que eu também sentira havia séculos. Então soube o que fazer na mesma hora; e acho que eu mesmo precisava de um pouco disso. Sangue!

            Beijei seu pescocinho e me encaminhei para seus lábios onde a beijei. Conforme nos beijávamos mordi a língua dela e ela a minha. Seu sangue descia-me doce pela garganta e sei que o meu também a inundava.

            Depois disso, ela se afastou. Olhou as horas no relógio de pulso e fugiu de mim, sem se despedir ou ao menos me dizer seu nome. Fiquei ali parado; sem reação; ainda estava freneticamente abalado, desestruturado pelo néctar que acabara de beber… E eu nunca mais tornei a vê-la nesta minha não vida.

 


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Lendas Esquecidas #9 – A patrulha, o intruso e a partida

Dagga estava sem fôlego quando alcançou o alto da montanha. Seus pés, grandes, ferviam como brasa, mas não o deixaram na mão. A subida nas Tamandarins, as montanhas gêmeas, não era fácil, mas não era isso que afligia o grandalhão.

– Intruso! – cuspiu ao avistar seus companheiros de patrulha.
Rubracor e Cuspidor saltaram das posições onde estavam. Silas levantou devagar palitando os dentes.
– Porque carrega tantas coisas, Rubracor? Um dia você vai mostrar o nosso caminho ao inimigo. – Silas fez ouvir seu vozerão.
– Acho que temos assuntos mais sérios, Silas. Não é hora para tratar das coisas que carrego e não, nunca nos atrapalhou. – respondeu Rubracor com urgência na voz.
– Intruso! – disse mais uma vez Dagga, confuso por não lhe darem atenção e estarem discutindo por algo sem importância naquele momento.
– Acalme-se, Dagga, recupere o fôlego e conte-nos o que viu. – como de costume, o vozerão calou a todos.
– No rio… Um viajante… – a tensão tomara conta do ar dos pulmões e este teimava em continuar falando.
Os bons olhos de Silas procuraram na direção do rio.
– Posso ver daqui…
Spich! Cuspidor cuspiu antes de falar.
– O que estão esperando? Vamos saber o que ele quer por aqui. – Cuspidor falava e endireitava as correntes que usava como cinturão para segurar os trapos que chamava de calças. Silas sorria sempre que presenciava a cena.
– Não vamos assim. Temos que saber mais do invasor. – ordenou Rubracor, o meio-gigante de pele vermelha.

Os meio-gigantes se entreolharam como de costume quando Rubracor tentava dar uma ordem. Sempre quisera ser líder daquela patrulha, mas nunca teve a aprovação dos seus companheiros e, até que o atual caísse em batalha ou por qualquer outro motivo, este seria Silas Trovejador.

Silas olhou para as nuvens e procurou para que lado o vento soprava.

– Podemos cercar ele e saber o que ele quer aqui. – insistiu Rubracor com seu plano,
– Spich! Pela correnteza Rubracor, fecha a matraca! – Cuspidor passou por todos e encostou o narigão no nariz fino de Rubracor. Já estava com a mão na espada curta embainhada que usava como adaga.
– Ele é um homem, companheiros, e trás muitas bolsas.
– Um homenzinho que vende coisas. – Silas concluiu para Dagga.
– Precisamos falar com e… – Rubracor não terminou a frase com temor da reação do grupo. Cuspidor voltava a encará-lo de perto.
– Juntem suas coisas, vamos descer. – ordenou o bronzeado meio-gigante e líder da patrulha.

Para os meio-gigantes “coisa” definia bem tudo que desconheciam, e o que conheciam também! Ferramentas, armas e armaduras, utensílios e tudo mais que eles conseguissem carregar nas costas ou na cintura.

A descida era íngreme, mas não para eles. Todos estavam acostumados com aquelas montanhas, o mais novo da patrulha, Cuspidor, nunca havia saído dali, aliás, nascera e criara-se nas montanhas gêmeas.

Logo alcançaram os Cachos de Ravarindar. Estava sempre cheia de vida e ativamente movimentada. A paz que reinava no lugar desinibia as criaturas, que além do Povo da Montanha, como eram conhecidos os meio-gigantes pelos seres do bosque, ninguém mais ousou colocar os pés lá, exceto aquele humano.

Mariposas luminosas e escliches, os duendes voadores, viviam suas vidas livremente. Qualquer outra raça acharia no mínimo curioso, o fato dos habitantes dos bosques não estranharem a presença dos meio-gigantes. Os grandalhões apesar de desengonçados mantinham a harmonia com os Cachos de Ravarindar, e mais, os protegiam. De quê, não se sabia, pois nenhuma ameaça tinha se feito presente após a famosa Invasão, quando o pai de Silas e ele, ainda muito jovem, protegeram o bosque dos demônios Lambares.

Liderados por Silas, rapidamente a patrulha chegou às margens do Filete, um rio de “proporções pequenas” para os meio-gigantes, que margeava o bosque. Ele estendeu a palma da mão e cada um tomou sua posição por trás das árvores.

O homenzinho libertou-se da grande bolsa. Não se preocupava em chamar atenção, Silas notou. Agora ele a abria e retirava uma caixinha prateada e dentro dela um saco de couro, talvez de coelho. Rubracor estava maravilhado com tudo aquilo, Cuspidor impaciente e Dagga quieto, parecia amedrontado.

“Que tipo de feitiço aquilo pode ter?” se perguntou.

Despreocupado, o homenzinho juntou alguns galhos finos e fez o seu primeiro “feitiço”. Ele retirou da bolsa de couro duas pequenas pedras, choco-as e criou fogo, instantâneo! Cuspidor pensou cuspir, Rubracor se conteve soltando uma bufada, enquanto Dagga e Silas se concentravam no intruso.

Os ruídos que seguiram eram ruídos de animais, grunhidos, latidos, berros e rosnados que aos ouvidos de um desconhecido eram apenas sons dos animais do bosque, mas para os meio-gigantes, e em especial os membros daquela patrulha, eram comandos para aproximação e abordagem ao invasor.

O homenzinho continuou seu ritual. Sim, um ritual, fazia com tanta maestria e leveza que passava a sensação que ele poderia fazer aquilo pelo resto dos seus dias. Retirou um bule e colocou água para ferver, retirou um pires, uma xicara, um pequeno pote com um granulado branco, uma colherzinha e o chá já estava pronto.

O que intrigava Silas, que já estava as suas costas, era o fato do homem permanecer completamente à vontade e despreocupado. “O que estava tramando?”, ele não sabia, mas estava despreocupado ou queria chamar atenção e ser achado.

Já tinha dado de cara com um sujeito com essas características, não esquecia. Roupas finas, bem trabalhadas, sapatos… Sim, sapatos. “Pela correnteza! Para quê servia aquilo?”, um chapéu, um cinturão de fivela dourada e muito bonito. E nas costas a grande bolsa, ou um fardo? Era muito pesado. Um ar de riso nos lábios e estranhamente doce, cheio de palavras na boca.

O homem retirou uma caderneta de anotações enquanto Silas se aproximava pelas suas costas. Os outros estavam em alerta e com ordens para atacar ao seu sinal.

– Primeira anotação… Não tive que esperar muito. Deu até para tomar uma xícara de chá. Você é muito lento… Qual é o seu nome?

A respiração de Silas parou por alguns segundos quando o homem bem vestido girou para encará-lo. As adagas estavam a postos, porém ele não reagiu. A patrulha permaneceu perplexa diante da negativa do seu líder, esperavam pelo sinal de Silas.

– Hmmm – gemou o homem avaliando a situação e a face esganiçada de Silas. “Raciocínio lento…” escreveu sem dizer nada.
– Se acha esperto, homem da bolsa? – perguntou Silas com uma das adagas rapidamente posta no pescoço fino do sujeito, fazendo-o ergue a cabeça e voltar a olhar nos seus olhos castanhos.

Aos poucos surgiram Dagga, Cuspidor e por último o barulhento Rubracor.

– Não me acho tão esperto, meu amigo grandalhão – disse enquanto levantava fechando a caderneta e guardando em um dos tantos bolsos do seu casaco cor de rubi – Porém não pude deixar de ouvir o ruído do seu chocalho ambulante. – e virou-se para admirar Rubracor e suas tralhas.

Realmente, a visão que um humano poderia ter de Rubracor era a de um chocalho ambulante, ou uma porta-treco, tudo estava pendurado nele, podia-se ver até crânios de vários tipos de animais abatidos.

– Você fala muito bem a minha língua, grandalhão, com quem aprendeu?
– Essa é a nossa fala! – devolveu com aspereza o meio-gigante que continuava inquieto, pois até agora não sabia das intenções do homem.
– Ele veio nos ver, Silas. – concluiu Rubracor.
– Silas! Então você tem um nome, gigante, e é um nome da minha gente.

Se estivesse muito perto de Rubracor, Silas o teria estrangulado. Rubracor entregara a sua identidade a um desconhecido.

Silas apertou a adaga e esta tirou um fio de sangue do pescoço do homem que continuava firme a sua frente.

– Não se zangue – disse o homem já com o sorriso desfeito no rosto, sentia dor e a fria lâmina do meio-gigante. – meu nome é Malvo Cantiga e vim a mando Eder, Rei de toda Costa Larga! – Malvo pareceu um arauto anunciando a entrada de um rei.

Mesmo após saber o nome do homem, Silas continuou incerto. Dagga também.

O jovem meio-gigante, Cuspidor, montava guarda. Estava de olho nos arbustos e árvores para não serem pegos de surpresa.

– Por que veio para cá, homem Malvo?
– Eder, Rei de toda Costa Larga – falou como arauto novamente. – soube da existência da sua raça tão próxima aos seus domínios e ordena a presença do líder do seu povo para jurar lealdade.
– Silas não vai a lugar nenhum, homem Malvo! – decretou Dagga.
– Eu posso ir, Silas. – ofereceu-se Rubracor e mais uma vez todos o encaram, inclusive o Malvo, intrigado.
– Quem é o seu líder? – questionou Malvo afastando a lâmina fria de Silas da sua garganta – E em sinal da boa vontade trago presentes, para todos! – Malvo olhou para Rubracor.

Rubracor ficou excitado com a ideia de novas coisas “úteis” para carregar, Silas percebeu. Dagga desaprovou a ideia balançando a cabeça negativamente, Cuspidor não opinou.

– Não sou dono dos seus passos, Rubracor. Seus pais não estão mais entre nós e você já é feito o suficiente para decidir sua vida. Vá como o homem Malvo se quiser, mas não volte para as Tamandarins. Não será bem vindo se partir, temos que proteger nosso povo e nosso lar.

Do alto da montanha, Dagga, Cuspidor e Silas acompanhavam a partida de Rubracor para longe, junto com Malvo Cantiga, um dos homens libertos. De repente outros libertos surgiram às costas da dupla, talvez tenham sido eles que deixaram Dagga e Silas inquietos, mas só agora eles tinha se revelado. Espancaram Rubracor, retiraram-lhe as tralhas que carregava, acorrentaram-no e o levaram, tudo isso sob as ordens de Malvo.

Os meio-gigantes observaram tudo de longe e incapazes. Dagga e Cuspidor aguardaram ordens do líder.
– Vamos trazê-lo de volta… – eles ouviram antes que Silas descesse as Tamandarins aos pulos, com ódio nos olhos.


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Lendas Esquecidas #8 – O Encontro

Copacabana — faz frio e chove pouco.

Há duas noites caminho entre os vivos, mas não sou mais um deles e sei disso. E aos poucos comecei a perceber que, mesmo que poucos, existem outros como eu. Caçadores noturnos sedentos por sangue. Vampiros.

Minha história começou há duas noites, quando acordei parecendo um bêbado, mas se era bêbado, deveria estar com uma enorme ressaca, pois a sede era absurda. Foi quando descobri o que havia me tornado, pois ataquei uma jovem que comemorava o Carnaval com alguns amigos e bebi todo o seu sangue.

Uma voz em minha cabeça pedia para parar, mas eu não conseguia. Então eu matei. Pela primeira vez em meus vinte e cinco anos de vida, matei uma pessoa. E o pior, pensei que fosse sentir o mínimo de remorso e não houve nada. Uma voz em minha cabeça dizia “bom, posso conviver com isto.” Mas ainda não me parecia certo.

Contudo, a fome vinha todas as noites, cada vez mais forte… mais fome. É como se um monstro interior devorasse minhas entranhas e clamasse sempre por sangue. Sempre, sempre, sempre!

Alias, não só o sangue vem sendo um problema, existem ainda os problemas com fogo e sol. Quando a noite se foi, naquele fim de Carnaval, o sol começou a nascer devagar no horizonte, senti minhas pálpebras queimando e o rosto formigando de leve com o mínimo de claridade que nele se abateu. Um sono repentino me acercou e tive que lutar para não cair dormindo no chão.

Lutando contra o sono e buscando desesperadamente um lugar para me esconder do sol, corri por entre becos e ruelas. Algumas pessoas começavam a chegar ao centro da cidade para mais um dia de trabalho e eu passei trombando por elas. Devem ter achado estranho, mas o mais provável terem achado que eu fosse algum trombadinha correndo de policiais.

  Lancei-me metrô adentro e usei meu último bilhete — bendita hora que o bilheteiro ofereceu-me a comprar a volta, e eu aceitei! —  Ali dentro já não precisava me preocupar com o perigo do sol, mas ainda precisava vencer o sono e encontrar um lugar seguro para passar o dia. Afinal, apenas vampiros de Hollywood tinham seus caixões para dormirem enquanto o sol queimava os idiotas que ficassem do lado de fora, como eu. Mas não sei se conseguiria dormir num caixão, tudo bem que nunca fui fã de sol, mas um caixão era demais pra mim. Passar alguns segundos no elevador, parecia levar uma eternidade. E quando estava lotado então, putz…

A estação da Cinelândia não estava cheia. O trem que passara com alguns trabalhadores já se fora e eu a tinha agora só para mim. Que se danem os guardas do metrô, eu não podia perder tempo. Saltei para os trilhos ao mesmo tempo em que a mensagem de “senhores passageiros não ultrapassem a faixa amarela…” era emitida pelos alto-falantes.

Corri numa direção qualquer e estremeci ao ouvir o som de mais um trem vindo em minha direção. Olhei desesperadamente por um abrigo, e avistei poucos metros à frente. Saltei para dentro dele, momentos antes do trem passar zunindo atrás de mim.

Não tinha mais energia alguma, naquela alcova, em meio à ratos e baratas, novamente… tal como em meu Despertar, eu dormi e ali passei o primeiro dia de minha existência na nova vida. Cheio de dúvidas e incertezas. Precisaria buscar respostas.

Quem eu era? E minha vida normal? Meus parentes e amigos? Como prosseguir?

… foram estas perguntas que me trouxeram até Copacabana. Há duas noites que venho me adaptando. Percebi que minha força hoje é maior e meus sentidos também se aguçaram. No entanto, não sei se os poderes que mostram nos filmes, são verdadeiros ou não, pois não sei se eu é quem não sei utilizá-los, ou se não existem mesmo.

Foi caçando na Avenida Atlântica, que me deparei com outro vampiro. Ou melhor, uma vampira. Extremamente sexy, sedutora, linda e fatal.

     Ela estava caçando também. Utilizara o disfarce de prostituta para se aproveitar dos turistas obcecados por mulatas brasileiras, dos empresários adúlteros e trouxas que desperdiçam todos os meses uma pequena fortuna por uma transa casual.

Ela era mulata com cabelos alisados e trajava roupas curtas e provocantes. Com um imenso salto alto e uma pequena bolsinha no ombro. Os olhos eram cobertos por uma silhueta delineadora que apresentava um olhar sedutor e fatal. Qualquer que fosse o homem — e talvez até mulher —, cairia na rede daquela viúva-negra.

Percebi logo o momento do ataque! Ela seduziu um senhor de meia-idade e caminhou com ele para dentro da Praça do Lido, seria lá o local do abate.

Não atrapalhei sua alimentação, me esgueirei pelos cantos e saltei a grade. Aguardei até que ela terminasse e soltasse o corpo vazio do pobre coitado até o chão. Quando ela começou a se afastar, pude ver sua pele se tornando mais bronzeada do que anteriormente, era o sangue dele se transformando dentro dela e lhe dando uma aparência falsa de vida humana.

— … é, dá licença moça…

Ela se virou com um olhar que me fulminou. Olhou ao redor para se certificar de que estávamos a sós.

— O que quer?

— Eu… er… percebi que temos algo em comum, queria saber…

— Se é michê, num posso fazer nada. Num puta porque escolhi, faço cadiquê o dinheiro é fácil e é tudo que sei fazer.

— Eu falava com relação de sermos…

Então revelo minha face vampiresca para ela. Apresento minhas presas.

No mesmo instante, quase como que reagindo por instinto, ela arregala os olhos e apresenta também suas presas e se eriça como um gato pronto para brigar. O tom de seus olhos muda para um amarelo dourado e sinto, tenho que admitir, um pavor de sua presença intimidadora.

— Calma, calma gatinha — eu digo a ela tentando acalmá-la —, não estou querendo arrumar briga não. Só vim atrás de você porque percebi que éramos iguais e preciso de algumas respostas.

A chuva começa a apertar.

— Quanto tempo que é assim?

— Dois dias. Acordei no último dia de carnaval, e ataquei uma garota.

Ela fica um momento pensando.

— Vi algo d’uns corpo que apareceru sem sangue nu centro da cidade, então era você. — concordo apenas movendo a cabeça. — Vamu sair dessa chuvarada, moro num sobradinho aqui perto. Tu pode passar o dia lá hoje, e colocamos isso em pratos limpos.

Assim conheci Daiana, pelo menos foi como ela se apresentou para mim.

— Então diga, William, que sabe sobre ser vampiro?

— Te digo o que sei, você me ensina o que sabe?

Ela apenas sorriu. Parecia saber de algumas coisas. Bom, era o que eu tinha para aprender a ser o que era. Uma prostituta semi-analfabeta que cobrava seus programas com a vida de seus clientes.

Era o que eu tinha, precisava me acostumar e me contentar com o que tinha, por enquanto.

— Tá bom então, néim. Fica quietinho enquanto te conto o que eu sei.

 


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